"O propósito do capítulo é desenvolver as várias faces da conquista e da dominação espanholas, desde a ação mais violenta, passando pela questão das alianças e dos elementos culturais e religiosos que facilitaram a ação dos espanhóis até o aproveitamento de estruturas de dominação já existentes e o estabelecimento de novas formas de controle social e político".
-- Uma conquista sangrenta
Cabeças decepadas. Membros mutilados. Corpos esquartejados. Um verdadeiro massacre. Foi o resultado da passagem de tropas espanholas e portuguesas pelos vários cantos do novo continente batizado de América.
A partir do século XV, a história dos povos ameríndios foi escrita com brutal violência.
As inúmeras caravelas europeias que atravessaram o oceano Atlântico, a partir do século XV, trouxeram para a América centenas de aventureiros e conquistadores em busca de riquezas, poder e honras. Hernan Cortez, que se empenhou em conquistar e destruir o império asteca, e Francisco Pizarro, o império inca, foram seus principais nomes.
Para dominar os diferentes povos e percorrer longas distâncias, os espanhóis trouxeram cavalos, animais desconhecidos pelos nativos. Além disso, possuíam armas de fogo e espadas de aço, também desconhecidas dos povos americanos.
Tudo isso causou forte espanto porque os espanhóis montados a cavalo, com suas armaduras reluzentes, eram identificados como guerreiros enviados pelos deuses.
Francisco Pizarro
Quando Hernan Cortez apareceu nas atuais terras mexicanas, em 1519, muitos dos nativos acreditaram que se tratava do deus QUETZALCOATL, que havia retornado. Alguns chegaram a pensar que o cavalo e o seu montador formavam um único ser.
Cortez foi recebido pelo próprio imperador Montezuma, que lhe ofereceu um grande banquete. Além da comida, Cortez também provou o chocolate ( xocolatl ou cacauatl), bebida considerada sagrada. Segundo a tradição, as sementes do cacau que serviam de base para a bebida, haviam sido deixadas pelo deus QUETZALCOATL e tinham poderes mágicos. Cortez também ficou maravilhado com a grandiosidade da capital.
Além dos cavalos, armas de fogo e as crenças religiosas, outro elemento foi decisivo para a dominação espanhola: as rivalidades entre os diversos povos e impérios da América.
Assim, Cortez com 600 soldados, 16 cavalos, 10 canhões e o apoio de populações aliadas arrasou Tenochtitlán, a capital do império Asteca, assassinou o imperador e massacrou milhares de astecas. A cidade foi formada em 1521, consolidando o domínio na região. Os espanhóis continuaram a saquear. Toneladas de ouro e prata foram enviadas para a monarquia espanhola. Tesouros que fizeram da Espanha o reino europeu mais rico da época.
Francisco Pizarro e a conquista do Império Inca
Em 1513, Francisco Pizarro recebeu as primeiras informações sobre um reino onde se comia e bebia em vasilhas de ouro. Depois de várias tentativas fracassadas, Pizarro chegou aos territórios incas trazendo consigo 168 soldados, 62 cavalos e alguns canhões. Sua chegada ao coração do Império Inca, localizado na cordilheira dos Andes, foi facilitada pelas excelentes condições de suas magníficas estradas.
A pedra foi o elemento básico das construções dos Incas, os incas realizavam, nesse local, ritos sagrados e ainda utilizavam como abrigo em caso de emergência. A cidade de Cuzco, situada no Vale Sagrado, era o mais importante centro administrativo e cultural do Império Inca.
Para construir estradas em terrenos com grandes declives, os Incas usavam do desenho em ziguezague, o que facilitava a circulação, ou de escadas, se necessário.
As estradas eram estreitas, já que circulavam apenas homens e lhamas com carregamentos. Erguiam muros de arrimo em lugares perigosos para evitar desabamentos. As estradas desempenhavam uma função mais vinculada ao controle do Império do que o comércio. Ao todo, calcula-se que eram mais de 4 mil quilômetros de estradas cortando o império. Ao longo das estradas, havia construções que serviam para soldados ou funcionários passarem a noite, permitindo uma comunicação rápida entre os diversos lugares.
Por onde Pizarro e seus soldados passaram, cidades foram incendiadas e saqueadas. Homens, mulheres e crianças foram massacrados sem piedade.
As riquezas, num volume nunca visto pelos europeus, acabaram por formar a lenda do Eldorado. Haveria um rei na América do Sul, que todos os anos cobriria todo seu corpo com pó de ouro, e depois se banharia num lago brilhante devido ao ouro acumulado. Nesse reino, as habitações seriam feitas de ouro. As ruas, de metais e pedras preciosas. E haveria ainda uma enorme montanha, toda dourada.
Vista parcial do Cerro Rico e Villa Imperial
"A ordem era ocupar, dominar e colonizar"
Depois dos primeiros contatos com a terra descoberta por Colombo, os espanhóis iniciaram a colonização ocupando a ilha de Hispaniola, atuais Haiti e República Dominicana. Entre 1496 e 1516, milhares de espanhóis chegaram à ilha com o intuito de explorar e conquistar essas terras. O sonho do ouro levou-os à conquista das terras continentais.
Cortez conquistou o Planalto Mexicano, sede do Império Asteca, em 1521. A região tornou-se conhecida como Nova Espanha e passou a ser o centro do poderio espanhol. A partir dali partiram outras expedições para os atuais El Salvador, Guatemala e Honduras. O Peru foi ocupado entre 1513 e 1533 e serviu de base para a exploração dos atuais Bolívia, Chile e Equador. Entre 1536 e 1580, foi a vez da região da bacia do rio da Prata. Em 1536, foi fundada Buenos Aires, na atual Argentina e, no ano seguinte, Assunção, no Paraguai.
A colonização espanhola
A chegada dos europeus mudou completamente a vida dos nativos que conseguiram sobreviver à matança executada pelos espanhóis, sobretudo por Pizarro. A partir da conquista e ocupação, estabeleceu-se então um sistema de organização administrativa que visava o controle direto da Espanha sobre a colônia espanhola. No século XVI, a administração espanhola na América foi dividida em dois grandes vice-reinos: o Vice-Reinado da Nova Espanha( que corresponde, aproximadamente, aos territórios atuais do México, Flórida, Caribe e Venezuela) e o Vice-Reinado de Peru (que equivale, aproximadamente, aos territórios atuais da Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai). Além disso, foram constituídas Audiências, encarregadas da administração da Justiça e que também assumiam funções de governo nesse vasto território, mutias vezes presididas pelo vice-rei.
A nomeação dos vice-reis cabia ao Conselho das Índias. Tratava-se do órgão mais importante da administração colonial, encarregado também da nomeação dos funcionários para as audiências e demais cargos administrativos. A única instituição colonial com independência em relação ao Conselho das Índias eram os Cabildos, espécies de câmaras municipais responsáveis pela administração local das vilas e cidades. Os cabildos eram formados por grandes proprietários, comerciantes e mineradores.
Cabildo de Buenos Aires
As terras das aldeias conquistadas eram divididas em pequenos lotes, denominados repartimientos. Então, distribuíam-se esses lotes entre os conquistadores pelas autoridades espanholas. Cada lote vinha acompanhado de um certo número de nativos que iriam trabalhar para os espanhóis. Em troca do trabalho, os europeus se comprometiam a cristianizar os indígenas. Suas almas eram encomendadas ao dono do lote de terra. Por isso, esse tipo de trabalho denominava-se encomienda, e os donos dos lotes, encomenderos.
Catedral da Cidade do México
A encomienda consistia em uma forma de trabalho obrigatório. Os nativos não tinham liberdade. Eram obrigados a trabalhar para os conquistadores e não recebiam salários. Além disso, eram duramente castigados de acordo com a vontade de seus senhores.
Outra forma de trabalho obrigatória era denominada mita. Não foi criada pelos espanhóis; já era praticada pelos incas. Os povos dominados eram obrigados a fornecer um determinado número de trabalhadores para as atividades que sustentavam o império: agricultura, obras de irrigação, grandes construções.
Os espanhóis substituíram os senhores incas. Além disso, submeteram milhões de indígenas ao trabalho escravo em suas haciendas (fazendas), onde eram plantados fumo, cana-de-açúcar, cacau, e outros gêneros alimentícios. Também obrigaram os nativos a trabalhar em suas estâncias de gado e cavalo. Nesse período, formavam-se grandes propriedades rurais, conhecidas mais tarde como latifúndios.
Mas foram as minas de ouro e prata que concentraram o maior número de indígenas escravizados. Os conquistadores espanhóis retiraram milhões de toneladas de metais preciosos das entranhas da América e mataram milhões de nativos.
Trabalhos exaustivos. Violências de todo o tipo. Doenças como a varíola e a malária. A população indígena foi dizimada e o reino espanhol tornou-se o mais poderoso de toda a Europa até 1650.
As caravelas espanholas passaram a ser substituídas por enormes galeões, que seguiam para a Europa abarrotados de ouro e prata.
Os indígenas foram proibidos de possuir cavalos até o século XIX. Mesmo assim, membros de alguns povos conseguiram obter o precioso animal de guerra através de assaltos a haciendas e do contrabando em troca de metais preciosos. Com cavalos, os ataques às terras ocupadas pelos senhores brancos tornaram-se mais frequentes. Inúmeros animais eram levados para aldeias indígenas. Milhares se perderam pelas planícies da América formando bandos selvagens. O cavalo aparecia nas paisagens que se tornaram excelentes montadores.